Com a maior seca da história do país e queimadas intensas assolando 60% do território nacional, Tribunais Regionais Eleitorais se preparam para garantir eleições e adotam medidas como antecipação de envio de mesários e urnas, e uso de aviões, barcos especiais e até animais. Dos cinco estados com maior número de focos de calor, quatro (Pará, Amazonas, Rondônia e Tocantins) têm zonas eleitorais em risco e áreas que despertem preocupação. Em comunidades isoladas, moradores admitem a possibilidade de aumento da abstenção.
No Pará, o TRE tem negociado com empresas para trocar embarcações com profundidade maiores por outras mais baixas. Há, ainda, a avaliação de contratação de transporte animal, já que em muitas regiões as embarcações não cumprem todo o trajeto. O tribunal também tem preocupação com o transporte aéreo, já que diversas regiões estão com limitação de voo em razão das fumaças. Por isso, há possibilidade de eliminação do uso de helicópteros e de trocas de aeronaves.
A maior quantidade de população afetada é no Amazonas. Todos os 62 municípios do estado estão em situação de emergência há um mês e em 58 a situação é mais crítica, o que pode afetar a eleição, afirma o governo do estado. Cerca de 560 mil pessoas estão sofrendo os efeitos da seca de maneira mais acentuada e o governo vem ampliando envio de ajuda humanitária.
As zonas eleitorais de “difícil acesso” foram mapeadas pelo TRE do Amazonas e incluídas no plano logístico especial, com uso de aviões em convênio entre TSE e a Defesa. O tribunal antecipou o envio de mesários, policiais e técnicos às regiões eleitorais e a entrega de urnas pode ocorrer até oito dias antes do pleito. Segundo o governador do Amazonas, Wilson Lima (União), o estado busca soluções para garantir o acesso dos eleitores aos locais de cotação:
“Desde janeiro de 2024, iniciamos conversas com as prefeituras, governo federal, poderes Legislativos e Judiciário, representantes da indústria e comércio para informar sobre os prognósticos que tínhamos e também estabelecer ações de mitigação”.
Em Rondônia, Luiz Alves será um dos barqueiros responsáveis pelo transporte das urnas recolhidas em Porto Velho e levadas a povoados ao longo do Rio Madeira. Ontem, o TRE determinou que a viagem será feita com um dia de antecedência, como precaução. A viagem de Alves deve durar 10 horas, cerca de duas horas a mais que o normal, já que a velocidade precisa ser reduzida em níveis d’água mais baixos.
Procurado, o TRE de Tocantins não retornou o contato.
Ministra se preocupa
Em visita a Manaus, a presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministra Cármen Lúcia, demonstrou preocupação com o acesso de eleitores às urnas e pediu atenção especial à Justiça Eleitoral. No mês passado, ela já havia afirmado que a situação vinha lhe “tirando o sono”:
“Eu consigo garantir a chegada das urnas aos locais com segurança (…). Mas o receio é como o eleitor vai chegar”.
Na Amazônia, os rios são a principal forma de navegação, por isso a estiagem é capaz de deixar comunidades isoladas. Segundo o MapBiomas Água, a perda de superfície de água na Amazônia neste ano já chegou a 1,7 milhão de hectares, atingindo 558 municípios.
“Nosso estudo apontou que 75% da perda de superfície de água em 2023 ocorreu a 25km das pequenas cidades e vilarejos. Em 2024, a seca chegou dois meses mais cedo”, afirma Carlos Moreira, coordenador do MapBiomas.
Na comunidade Amador, em Óbidos (PA), a pescadora Josana Pinto diz que os barcos só chegam a até 1,5 quilômetro do povoado, em função da baixa do Rio Amazonas. Portanto, ela diz que esse trajeto final terá que ser feito a pé, carregando as urnas.
Os eleitores também sofrerão. Parte das 35 famílias que vivem no Amador vota em Januária, e precisam andar o trajeto a pé até o barco no Rio Amazonas. A outra parte consegue pegar barcos menores na própria comunidade e ir em outra direção, para votar em Auerana. Ela ainda se preocupa com a população que deixou a comunidade durante esse período de seca.
“Tem gente que acho que vai deixar de votar. Com a seca, algumas pessoas foram passar temporada na cidade, preocupados com a falta de água potável — explica Josana, que recorre ao filtro para usar água das poças que sobraram”.
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