A seca e as queimadas que atingem todas as regiões do Brasil, especialmente as produtoras, já impactam o agronegócio nacional, e a expectativa é de que a situação possa se agravar. Desde meados de agosto, as regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste enfrentam estiagem severa, e, apesar das chuvas recentes em algumas áreas, o alívio ainda está longe de ser suficiente.
Na região Sudeste, por exemplo, entre 23 de agosto e 10 de setembro, foram registrados mais de 3 mil focos de incêndio no estado de São Paulo, queimando 181 mil hectares de cana-de-açúcar e áreas de rebrota, segundo dados da Organização de Associações de Produtores de Cana do Brasil (Orplana). O prejuízo estimado já alcança R$ 1,2 bilhão.
A produção de cana no Brasil, que já havia sido impactada pela seca no Centro-Sul em 2022 — responsável por 90% da oferta nacional —, volta a enfrentar dificuldades. No ano passado, o setor registrou o pior déficit hídrico em 25 anos.
Neste ano, as lavouras de São Paulo, principal estado produtor, sofreram com geadas pontuais nos meses de junho e julho, comprometendo o desenvolvimento das plantas. A menor produção de cana reflete diretamente na redução da oferta de etanol, açúcar e energia nas usinas.
“Isso tem impacto direto para o consumidor, já que afeta a oferta de açúcar, mas afeta, sobretudo, o produtor rural, que vê sua renda diminuir e os custos aumentarem para lidar com a situação”, afirmou à Exame Haroldo Torres, economista e sócio-diretor da PECEGE Consultoria e Projetos.
Os preços do açúcar cristal branco no mercado spot de São Paulo têm registrado altas significativas nas últimas semanas em virtude da estiagem e dos incêndios nos canaviais do estado, informou o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) da Esalq/USP. O mercado spot é onde se compram e vendem produtos para entrega imediata ou rápida.
De acordo com os pesquisadores, há um aumento na demanda por açúcar cristal, mas isso não indica um aquecimento do mercado. Em vez disso, parece que os compradores estão tentando garantir seus estoques devido ao receio de novos aumentos de preços no curto prazo.
Além disso, dados da União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (Unica) indicam que o estado de São Paulo produziu 2,073 milhões de toneladas de açúcar na segunda quinzena de agosto de 2024 — o volume representa uma redução de 11,82% em relação ao mesmo período do ano passado.
Produção de café em Minas Gerais
Belo Horizonte, em Minas Gerais, principal estado produtor de café do Brasil, enfrenta 150 dias sem chuvas. A seca no estado tem gerado grande preocupação entre os produtores — a falta de água afeta diretamente a florada do café, fase crucial para o desenvolvimento da safra. Logo, com um desenvolvimento ruim, os grãos saem menores, o que afeta a produtividade.
O Brasil, maior produtor mundial de café, colheu 55 milhões de sacas na safra 2023/2024, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) — Vietnã e Colômbia ocupam o segundo e o terceiro lugar, respectivamente.
De acordo com Luiz Fernando Reis, gerente comercial da Cooxupé, cooperativa brasileira localizada na região de Guaxupé, em Minas Gerais, as queimadas na área de atuação da cooperativa foram pontuais, entretanto, a seca severa e prolongada é o que tem tirado o sono dele e dos cooperados.
“Estamos sem chuvas há muito tempo e isso certamente impacta no potencial produtivo para a safra 2025. Difícil dimensionar as perdas nesse momento, pois precisaremos aguardar o retorno das chuvas, as floradas e avaliar pagamento para fazer uma avaliação. É certo que a combinação de dias muito quentes com atraso das chuvas impacta no potencial produtivo”.
Na temporada 2023/24, tanto aqui como no Vietnã, problemas climáticos reduziram as estimativas de produção de café, o que já tem contribuído para o aumento dos preços. Nesta safra, as condições climáticas durante a florada do café em março e abril no país asiático foram ruins, o que indica que a safra vietnamita de 2024/25 também deve ser menor.
De acordo com pesquisa do Dieese, o quilo do tipo mais básico de pó de café está custando entre R$ 40 e R$ 50 em média nas capitais brasileiras. Até agosto, o preço subiu 17,65% nas gôndolas dos supermercados.
Com isso, mesmo após uma trégua em 2023, o café subiu 90% desde 2020 – além do clima, a alta do dólar influencia no preço mais caro do pó de café no país, já que muitos exportadores estão preferindo ampliar a venda no mercado internacional.
Para Antônio de Salvo, engenheiro agrônomo e presidente da Federação da Agricultura e Pecuária de Minas Gerais (Faemg), a previsão de uma safra menor pode parecer vantajosa inicialmente para quem produz, por causa da elevação dos preços, mas o impacto a longo prazo pode ser negativo.
“Não adianta o agricultor receber o dobro se produzir menos”, afirmou. Segundo Salvo, apesar de um possível aumento nos ganhos em um primeiro momento, a redução na produção pode comprometer os resultados finais dos produtores.
Soja e milho no Sul e Centro-Oeste
No Sul do Brasil, a previsão do tempo indica pancadas de chuvas, especialmente do Rio Grande do Sul, por causa da passagem de um sistema frontal. O sistema frontal é um conjunto de frentes que se caracteriza por ser uma área de transição entre duas massas de ar com diferentes características, como temperatura, umidade e densidade.
Um dos principais estados produtores de soja do Brasil, o Rio Grande do Sul inicia o plantio do grão em 1º de outubro, com atenção especial voltada também para as condições climáticas. Para a semeadura da soja, é essencial que o solo esteja úmido, pois a umidade é crucial para a germinação das sementes – a água ativa o metabolismo da semente e permite sua absorção, fundamental para o desenvolvimento inicial da planta.
No Paraná, a falta de água tem atrasado o plantio da soja na parte oeste e norte e os produtores estão apreensivos sobre quando devem começar. Na região sul e sudeste do estado, a semeadura deve começar nos próximos dias, diz Edmar Wardensk Gervasio, do Departamento de Economia Rural (Deral) do estado.
Em seu levantamento divulgado nesta terça-feira, 17, o Deral informou que é possível observar um grande número de áreas dessecadas — isto é, áreas onde se usa herbicida para secar as plantas e controlar pragas —, além da entrega de sementes e insumos pelas revendas, mas a falta de chuvas e a baixa umidade do solo têm atrasado as operações de plantio de soja.
“Se observou a intensificação dos trabalhos ocorrendo mesmo antes das precipitações se efetivarem. Por outro lado, muitos produtores ainda aguardam melhores condições de umidade de solo para iniciar o plantio, visto que o déficit hídrico era muito alto e as precipitações foram volumosas apenas em parte do estado”, afirmou em nota.
No Mato Grosso, principal produtor de soja do Brasil, com o fim do vazio sanitário no dia 7, período contínuo de no mínimo 90 dias em que não se pode plantar ou manter vivas plantas de soja, os produtores também seguem cautelosos.
Segundo o Cepea, com a proximidade da entrada da safra 2024/25 no Hemisfério Norte, as atenções se voltam para o plantio na América do Sul. Pesquisadores do Cepea destacam que, embora haja preocupações com o clima seco no Brasil, a previsão de chuvas em algumas regiões do país nas próximas semanas está incentivando os produtores a iniciar o cultivo da nova temporada.
Na semana passada, o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) divulgou que projeta em 169 milhões de toneladas a safra 2024/25 de soja do Brasil. Para alguns analistas, o órgão norte-americano deve reduzir nos próximos meses sua estimativa para o grão brasileiro.
No caso do milho, segundo o Cepea, os preços estão em alta há quatro semanas, impulsionados pela retração de vendedores tanto no mercado spot quanto para entregas futuras – os agentes estão monitorando de perto o clima quente e seco, além das crescentes demandas interna e externa.
Na região de Campinas, em São Paulo, que serve de base para o Indicador ESALQ/BM&FBovespa, a saca de 60 kg de milho foi negociada a R$ 63,50 na última quinta-feira, 12, o maior valor nominal desde janeiro deste ano. No acumulado de setembro até o dia 12, o preço teve um aumento de 4,8%.
Produtores, inclusive, esperam novas valorizações, fundamentados nos impactos do clima sobre as lavouras da safra verão e nos possíveis atrasos da semeadura da segunda safra 2024/25.
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