As queimadas que atingem os canaviais do estado de São Paulo estão causando grandes preocupações no setor sucroalcooleiro. Um dos efeitos mais imediatos da situação atual é a queda na produtividade agrícola, que registrou uma redução de quase 10 toneladas por hectare (t/ha) em comparação ao mesmo período do ano passado.
Até meados de setembro de 2024, a produtividade acumulada é de 85 t/ha, contra 95 t/ha em 2023, segundo um levantamento exclusivo da Pecege Consultoria e Projetos, divulgado à EXAME nesta terça-feira, 24.
Apesar de fatores como condições climáticas, idade dos canaviais e estágio da safra influenciarem os resultados, o impacto das queimadas é significativo sobre a produtividade, destaca João Botão, sócio-diretor da consultoria.
Entre os dias 23 de agosto e 10 de setembro, foram registrados mais de 3 mil focos de incêndio no estado, afetando 181 mil hectares de cana-de-açúcar e áreas de rebrota, mostram os últimos dados da Organização de Associações de Produtores de Cana do Brasil (Orplana) — o prejuízo estimado já chega a R$ 1,2 bilhão.
“A queima da cana resulta em perdas de massa e qualidade, especialmente se a colheita não for realizada rapidamente. O ideal é que os canaviais queimados sejam colhidos em até 72 horas, podendo ser estendido para até 10 dias — após esse período, a perda da matéria-prima torna-se quase irreversível”, pontua Botão.
Essa deterioração na qualidade da cana tem mudado o mix de produção das usinas, com um aumento na produção de etanol. Comparando os dados de agosto com os números pós-incêndios, houve um avanço médio de 2,5 pontos percentuais na produção do biocombustível.
A queima dificulta a produção de açúcar, já que a proporção de açúcares redutores aumenta e a pureza do caldo diminui, além de elevar o teor de fibras devido à evaporação da parte líquida da cana.
Quando a cana é queimada, a proporção de açúcares redutores — aqueles que podem ser convertidos em etanol — aumenta, mas isso ocorre em detrimento da pureza do caldo extraído. A pureza do caldo é essencial para a produção eficiente de açúcar, pois quanto mais impurezas houver, mais difícil se torna o processo de refinação.
Além disso, a queima da cana resulta em uma maior concentração de fibras, devido à evaporação da parte líquida da planta — o aumento no teor de fibras pode interferir na eficiência da extração de açúcar, já que mais matéria fibrosa significa menos caldo utilizável.
Com a possível redução na oferta de açúcar, o preço da commodity teve uma leve alta, levando a uma revisão da Pecege Projetos para o preço do Consecana-SP, que atualmente está em R$ 1,17/kg de ATR.
A ATR é a sigla para Açúcar Total Recuperável, um indicador que mede a qualidade da cana-de-açúcar e a sua capacidade de ser transformada em açúcar ou álcool — é medido em quilos de ATR por tonelada de cana.
Segundo estimativas do Pecege, o Centro-Sul do Brasil deverá produzir 600 milhões de toneladas de cana-de-açúcar na safra 2024/2025, o que representa uma queda de 8,4% em relação à temporada 2023/2024. A produção de açúcar está projetada em 38,8 milhões de toneladas, enquanto a produção de etanol deve atingir 25,3 milhões de toneladas.
Os números estimados pela consultoria ainda não levam em conta os impactos da seca e das queimadas sobre os canaviais. A própria Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), órgão responsável pelos levantamentos de safras do país, também não atualizou seus números para o ciclo 2024/25.
“As áreas atingidas, mesmo as já colhidas, demandarão investimentos adicionais em manejo, como reaplicação de fertilizantes e defensivos […] Em casos mais graves, será necessário replantar os canaviais e corrigir os nutrientes do solo, para o restabelecimento da produção nessas áreas”, diz Botão.
Cana de açúcar 2024/25
Estima-se que, sob as atuais condições, uma perda média de 20% na massa resultaria em cerca de 100 mil toneladas de açúcar a menos a cada 100 mil hectares de cana queimada, complicando ainda mais a precificação do adoçante no mercado futuro.
Dependendo dos dados nas próximas semanas, o preço médio do ATR pode alcançar R$ 1,20/kg, similar ao observado na safra 23/24, avalia Botão. Em contraste, os preços do etanol estão em queda.
Parte da cana que seria destinada à produção de açúcar está sendo redirecionada para o biocombustível, resultando em um aumento da oferta e diminuindo os preços na condição de Preço Veículo Usina (PVU) — o movimento ocorre após um período de estabilidade nas cotações do etanol desde o início do segundo semestre.
Nas últimas semanas, os preços do açúcar cristal branco têm apresentado uma alta significativa no mercado spot do estado de São Paulo, mostra o Cepea.
A elevação é impulsionada pela baixa disponibilidade do adoçante no mercado interno, consequência da queda na produtividade dos canaviais paulistas, causada pela estiagem e pelas altas temperaturas. Além disso, as exportações intensas ao longo deste ano também contribuíram para a escassez.
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