Numa área de 5 milhões de metros quadrados começa a aflorar uma minicidade tecnológica, projetada para ser a morada de mais de 75 mil pessoas nas próximas décadas. Localizado no oeste do estado, na cidade de Toledo, município paranaense a mais de 500 quilômetros da capital Curitiba, o espaço atende pelo nome de Biopark.
Por lá, a terra vermelha, comum à região, aos poucos vai sendo coberta por grama e dando lugar a prédios residenciais e a universidades, como campus da Federal do Paraná (UFPR), da Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) e do Instituto Federal do Paraná (IFPR).
Do outro lado da rodovia PR-182, que corta o terreno, estão as startups, reunidas em um prédio com espírito à la Cubo, o conhecido ecossistema dos startupeiros da Faria Lima, e ainda as grandes empresas. Somados, formam um grupo de cerca de 200 negócios que faturaram mais de R$ 179 milhões no ano passado. De ambos os lados, o movimento é constante de pessoas – e de obras.
A conjunção entre os dois mundos, o universitário e o empreendedorismo, por vezes colocados em ambientes antagônicos no país, é uma síntese da vida de quem está por trás deste projeto: o casal Luiz e Carmen Donaduzzi. Doutores em biotecnologia, eles são os fundadores da Prati-Donaduzzi, a farmacêutica paranaense que hoje ostenta o posto de maior fabricante de genéricos do país em volume, de acordo com dados da consultoria IQVIA, especializada no setor de saúde, com a produção de mais de 15 bilhões de comprimidos por ano.
Em 2023, a fabricante de medicamentos faturou R$ 2,3 bilhões. O negócio cresceu no universo dos genéricos, receita que busca diversificar nos últimos anos com medicamentos de referência (não genéricos), divisão que representa 10% do faturamento, nutracêuticos e uma linha de produtos para o sistema nervoso central e combate a doenças como Parkinson, Alzheimer, esquizofrenia e autismo. Nas planilhas, a Prati-Donaduzzi tem como meta bater R$ 4 bilhões até 2027.
A construção de um legado
O casal deixou a operação em 2016, passando a liderança para Eder Maffissoni, profissional que chegou à companhia em 2002 como analista de custos na área de tecnologia. Além dos dois, a farmacêutica foi fundada por Celso Prati, hoje no conselho, e Arno Donaduzzi, falecido em 2020.
A passagem de bastão trouxe à tona um desejo antigo de deixar um legado e de realizar um sonho antigo. “Faz uns 37 anos que pensamos em montar um laboratório de biotecnologia. E, nos últimos 20 anos, tivemos a ideia de criar uma universidade, um local para a minha família morar próximo e com um laboratório de pesquisa e biotecnologia”.
Do projeto inicial, o sonho cresceu para criação de um parque tecnológico em 2016, em uma área que está a 16 quilômetros do centro de Toledo, adquirida por R$ 265 milhões. Desde novembro do ano passado, quem preside o projeto é Victor Donaduzzi, químico de formação e filho do casal. O objetivo é de que, no intervalo de 30 anos, a área de mais de 5 milhões de metros quadrados seja abrigo de mais de 500 empresas, oferte 30 mil postos de trabalho e tenha uma população de 75 mil moradores.
A construção na cidade começou com processo de loteamento para a venda de terrenos, tanto para moradias quanto para erguer galpões industriais. “Eu vendi terrenos aqui quando só tinha soja e milho”, diz Luiz Donaduzzi.
Em paralelo, o casal também doou uma área de 37.375 metros para um campus da UTFPR e ainda fez a doação de um terreno e investiu R$ 22 milhões para atrair o campus da UFPR para o Biopark. Além das unidades federais, os dois criaram a própria universidade, batizada de Biopark Educação, com curso de ciência e tecnologia, engenharia de biotecnologia, farmácia, administração e inteligência artificial.
Do bullying ao laboratório
Em operação desde 2018, o Biopark Educação reúne 500 alunos atualmente. O prédio da unidade também é casa de um projeto encampado pelo casal de empresários, o Clube de Ciências, que conta com 450 crianças, de 8 a 17 anos. Com uma aula por semana, a iniciativa busca familiarizar os jovens com o mundo da ciência, matemática e da robótica. Começou na Prati-Donaduzzi e foi transportada para o novo ambiente.
Muitos dos alunos são filhos da farmacêutica e de pequenos agricultores e pecuaristas da região, conhecida pelo agronegócio. Um dos projetos criados no Clube e que brilha os olhos do casal é um inseticida natural para combater um inseto conhecido como cascudinho, uma praga nos aviários.
Isadora Depollo Dias, Micael Moresco Zimmermann e Enzo Liel Pitta, com 12 anos de idade, desenvolveram o produto usando extrato de fumo de corda, misturado com água e um pouco de álcool de cereais.
Testado em laboratório, o inseticida mostrou ser 100% eficiente contra as larvas do cascudinho e resultou em 80% de mortalidade do inseto adulto. O trio ganhou um prêmio e rendeu uma participação na final de uma feira em dezembro em Pernambuco.
1 bilhão de reais em bolsas
“Essas crianças têm acesso aqui a coisas que nós só fomos conhecer na universidade”, afirma Carmen Donaduzzi. No Clube, 60% dos alunos recebem bolsa, doada pelo casal. Na graduação, o percentual fica em 60%. Desde que a universidade abriu as portas, os dois já doaram cerca de R$ 10 milhões. Na soma ao longo dos próximos 30 anos, o compromisso é de que o valor chegue a R$ 1 bilhão.
O Biopark Educação foi constituído como uma Organização da Sociedade Civil (OSC), sem fins lucrativos. No próximo ano, vai lançar uma nova unidade, um colégio, com aulas para alunos a partir do oitavo ano. Até 2027, a ambição é oferecer desde a creche até o último ano do ensino médio.
A nova estrutura é também um caminho para lidar com o público de altas habilidades, identificado nestes anos pelo Clube de Ciências. O despertar para a questão veio a partir da Lorena, neta do casal e filha do Victor. Com uma criança em casa, os avós decidiram identificar outras em Toledo e região que precisariam de um ensino mais adequado.
Como instituição, o Biopark Educação tem investido em metodologias de ensino mais alinhadas ao que acontece em países do norte da Europa, como Finlândia e Noruega. “O que implementamos aqui transita por toda a estrutura do Biopark Educação, do Clube de Ciências à universidade”, diz Donaduzzi, sobre a ‘metodologia ativa’. No modelo de ensino, o intuito é incentivar os estudantes a aprenderem de forma autônoma e participativa, lidando com problemas e situações do dia a dia.
À base da educação, o Biopark conecta outro pilar: as empresas. Para atrair os negócios, oferece cerca de 20 benefícios, incluindo o não pagamento de aluguel por uso do espaço por determinado período para empresas que estão investindo e contratando, acesso gratuito aos laboratórios de pesquisa e reduções fiscais, obtidas em negociações com governos municipal e estadual.
“Eu chego nos laboratórios e não sei quem é. Tem professores, pesquisadores nossos, pesquisadores das empresas. Todo mundo junto no mesmo laboratório, fazendo o seu projeto e avançando”, afirma Donaduzzi.
Do outro lado da rodovia, que corta a áreas, três blocos de edifícios recebem empresas com diferentes níveis de maturidade. De startups iniciais àquelas que faturam alguns milhões. E ainda empresas mais maduras, com galpões industriais. Caso da própria Prati-Donaduzzi, que estabeleceu o seu centro de distribuição na área, a Embrapa e a Sempre Sementes, de melhoramento genético.
Aos 69 anos, o empresário costuma dizer que não tem tempo a perder e corre para ver o sonho de pé. Pelos seus cálculos, tem pouco mais de 5.000 dias de vida, número que o faria chegar até os 82 anos. “Ele até melhorou, antes ele contava as horas que tinha de vida”, brinca a doutora Carmen.
“Quando eu não estou muito cansado, sábado e domingo eu venho eu venho lavrar, gradear a terra e plantar a grama aqui. Eu venho trabalhar com máquinas”, diz Donaduzzi. Os dois moram hoje em uma fazenda no município de Jardim, no Mato Grosso do Sul, à margem do Rio da Prata. Mas, de tempos em tempos, cruzam a divisa entre os estados para acompanhar a evolução do Biopark.
Dona Carmen, apaixonada por pescaria, preferiria que o esposo, que acumula 14 arritmias nos últimos quatro anos, tivesse um ritmo mais tranquilo. “Como isso não vai acontecer, agora eu tenho todo um esquema montado se eu precisar fazer de uma hora para a outra”, diz.
A sustentabilidade dos negócios
Na gestão do negócio montado pelos pais, Victor tem a missão de manter e acelerar a velocidade com que o Biopark funciona. “O meu pai é o cara sonhador, o empreendedor, aquele que imagina que para tudo ele tem dinheiro. Eu tenho de separar um pouco, voltar um pouco, colocar o pé no chão e colocar tudo na ponta do lápis para fazer a matemática fechar”, afirma o presidente do Biopark.
No novo chapéu, o profissional trabalha com algumas perspectivas. Na educação, que é OSC, é buscar a sustentabilidade no longo prazo. “Primeiro, o importante é construir uma educação de qualidade e, à medida que avançamos, vamos tentar chegar numa operação que, minimamente, dê lucro para que possamos reinvestir”, diz.
Entre as divisões em que o Biopark está estruturado, educação é a que convive com um cenário mais tranquilo. O casal se comprometeu a deixar 50% da herança para financiar a divisão – a outra metade ficará com os dois filhos, Victor e Sara.
Até por isso, um dos focos da gestão está nas áreas de atração de empresas e imobiliárias. A venda de lotes é a que mais deve atrair recursos no curto e médio prazos. O Biopark tem tanto terrenos urbanizados quanto em estoque que estão sendo preparados e serão colocados à venda.
Como os terrenos são limitados, outros caminhos para controlar as contas estão no radar, como a locação de barracões, prestação de serviços, incluindo mentorias e programas de desenvolvimento, e ainda participação em negócios e startups. No momento, o Biopark conta com um fundo de R$ 5 milhões, veículo criado para testar a conexão entre os empreendedores da terra vermelha e o universo dos startupeiros.
“Nós brincamos aqui que não buscamos um unicórnio, e sim javaporco. Ele não é bonito, não brilha, não tem asa nem chifre, mas é um bicho desgraçado. Ele é feio, vem do sítio, pisa no barro, só que é um trator”, diz Victor. “Ou seja, a nossa busca é por boas empresas com crescimento sólido e estável”.
Para o doutor Luiz, um homem que diz não conseguir viver o presente e estar olhando sempre 20 anos à frente, o Biopark é uma forma de construir de uma cidade tecnológica interligada ao município de Toledo, com uma renda per capita mais elevada. Mas, também, um legado para que os jovens não precisem de suas regiões e encontrem oportunidades no oeste do estado.
“Nós recebemos do governo federal US$ 48 mil para os seis anos em que estudamos na França e hoje nós devolvemos, na forma de imposto, mais de US$ 48 milhões. Só por aí, nós vemos que investir em educação é o melhor negócio do mundo”, afirma Donaduzzi.
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