Desde 2017, a Ilha de Bom Jesus, na Cidade Universitária, Rio de Janeiro, é a casa do Centro de Pesquisa e Inovação da L’Oréal. É neste espaço – cercado pela Baía de Guanabara, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e a densa vegetação da região – em que a companhia de beleza utiliza tecnologia para desenvolver cosméticos em um dos mercados mais desafiadores, exigentes e diversos da sua atuação: o Brasil.
A escolha do país para sediar o primeiro Centro de inovação do Grupo L’Óreal na América Latina não é à toa: um mapeamento global da companhia identificou que das 66 tonalidades de pele encontradas no mundo, 55 são identificadas no Brasil. Entre as curvaturas de cabelos, o país conta com todas as oito definições de fios, do mais liso ao crespo.
Para Marcelo Zimet, CEO da L’Oréal no Brasil — que conversou com exclusividade à EXAME em comemoração aos 65 anos da empresa –, o fator que mais influencia a estratégia do negócio na região é a brasilidade. “Não existe um só Brasil. São muitos tons de pele e tipos de cabelo, além da biodiversidade. Se queremos operar com respeito e responsabilidade no país, temos que entender sobre a representatividade aqui”, conta.
Zimet explica que escutar o consumidor – seus gostos, desgostos e principalmente, suas necessidades – é ponto de partida para a estratégia de desenvolvimento e comercialização dos produtos no país. Isso porque a demanda no Brasil difere muito do local onde o negócio surgiu, na França. “Vejo que existe nessa diversidade de tons de pele e cabelos uma grande oportunidade de mercado para a L’Oréal, e que antes não explorávamos todo o seu potencial”, afirma.
Tecnologia aliada a diversidade
Inserir a inovação e tecnologia própria no desenvolvimento de produtos diversos é um dos desafios que a companhia enfrenta. Foi com esse objetivo que a L’Oréal passou a gerar tecidos de pele e córnea humanos reconstruídos, possibilitando que a testagem dos produtos seja feita em método alternativo aos testes em animais.
A técnica de engenharia tecidual, realizada a partir da marca própria EPISKIN, já era aplicada em outros mercados do Grupo, como na sede na França e na China. Desde 2019, o Rio de Janeiro integrou também o portfólio de trabalho da área.
Vanja Dakic, gerente de EPISKIN Brasil, conta que o modelo é feito a partir de células epiteliais, ou seja, que revestem a superfície da pele e da córnea humana. Os tecidos são utilizados para garantir que os produtos desenvolvidos são seguros e que não causam irritação ou sensibilidade quando passados na pele e ao redor dos olhos.
De acordo com Dakic, o modelo passou a ser fabricado no Brasil porque não era possível importar a tecnologia de outros mercados, já que o tecido só se mantém nas condições próprias para testagem ao longo de 10 dias, e o translado ocuparia boa parte desse tempo útil.
A gerente explica como é o processo para produzir os tecidos. “Aproveitamos células de peles descartadas em processos cirúrgicos. No laboratório, desconstruímos as camadas e ficamos apenas com as células que nos interessam. Depois de um mês de expansão dessas células no laboratório, o tecido está pronto para os testes”, explica.
O tecido reconstruído de pele é apresentado em seis tonalidades, que representam fototipos dos mais claros ao retinto, para garantir também que os tons representem a população brasileira.
Além do uso interno, com produtos de diferentes funções, a L’Oréal também comercializa os tecidos humanos reconstruídos para a indústria científica, o que contribui para a pesquisa e desenvolvimento de empresas de cosméticos, farmácia e agroquímica.
Proteção solar: beleza e saúde
A fotoproteção é uma das áreas em que a L’Oréal mais investe no Brasil. Isso porque a radiação solar no país é alta e igualitária ao longo do ano, o que pode causar problemas de saúde, como câncer de pele. Além disso, Eduardo Paiva, líder de diversidade, equidade e inclusão da companhia no Brasil, conta que o mito de que peles escuras não precisam de proteção solar como pessoas brancas também conecta a estratégia de negócios com a atuação pela diversidade.
De acordo com informações da Skin Cancer Organization, pacientes negros têm três vezes mais chances de serem diagnosticados com um melanoma já em estágio avançado na comparação com pacientes brancos. Por isso, 94% das pessoas brancas diagnosticadas com esse tipo de câncer – que se desenvolve na camada de melanina da pele – recebem um prognóstico de que podem viver mais do que 5 anos, enquanto para pacientes negros, a taxa é de apenas 71%.
Segundo Paiva, trazer uma inovação pensada por cientistas brasileiros ajudou no processo de integrar a empresa francesa na diversidade brasileira, elaborando soluções que unam a representatividade do país com o cuidado com a pele. “Temos uma responsabilidade enorme de transformar a categoria de beleza a partir da diversidade e da inovação”, conta.
Paiva explica com orgulho sobre o projeto que envolver o Anthelios Ultra Cover, protetor solar com cor de alta cobertura da La Roche-Posay. Em parceria com o grupo de afinidade étnico-racial da empresa, foi definido que a cartela de cores do produto receberia uma nomenclatura numérica. O motivo: excluir o uso de termos de cunho racista, como “Morena”, da gama de tonalidades.
Além de evitar interpretações, o ajuste visa incluir uma parcela dos brasileiros que muitas vezes não se veem representados nas tonalidades de maquiagens e produtos de beleza. “Queremos refletir a nossa população também quando pensamos em inovação, por isso, atuamos para que 50% das vendas sejam nas tonalidades destinadas à pele negra”, afirma Paiva.
A tecnologia investida para garantir que os produtos representem com assertividade as tonalidades de pele da população é aplicada desde a sua formulação. A paleta de cores definida pelos pesquisadores do Centro de Inovação representa 93% dos tons de pele encontrados no Brasil, segundo a empresa. Uma das preocupações dos cientistas foi garantir também que a fotoproteção não gerasse uma camada esbranquiçada ou acinzentada, chamada de “filtro branco”, erro de formulação que acontece principalmente nas tonalidades mais escuras.
De acordo com Paiva, a consulta dos consumidores e do próprio grupo de afinidade étnico-racial do Grupo é uma das formas que a empresa garante que seus produtos, comunicações e escolhas de negócios representem o Brasil.
Diversidade como oportunidade de negócios
O cuidado dos brasileiros com o próprio cabelo também é visto como uma oportunidade pela companhia. De acordo com Cristina Garcia, diretora de pesquisa avançada e comunicação científica na L’Oréal, a rotina capilar dos brasileiros é uma das mais sofisticadas de todo o mundo, sendo o público brasileiro um campeão de consumo nesta categoria. “Se você consegue desenvolver produtos para o consumidor brasileiro, você consegue atender à demanda de todo o mundo”, explica.
Na tecnologia pensada para os fios, cada máquina busca avaliar as mechas a partir de critérios minuciosos, como presença de danos, velocidade de crescimento e maciez. Os equipamentos também buscam avaliar como os produtos podem reagir de acordo com o uso e a experiência do consumidor.
Um dos lançamentos recentes da marca, o Creme Noturno Anti-Travesseiro, da linha Elseve Cachos Longos dos Sonhos, é um desses exemplos. A marca criou um ativo que gera menos frizz e mantém a curvatura dos cachos mesmo durante o sono — dificuldade relatada com frequência por consumidores com cabelos ondulados, cacheados e crespos.
Durante o desenvolvimento, foi necessário criar uma máquina que testasse se o peso médio de uma cabeça e o atrito contra o travesseiro por oito horas seguidas (tempo médio do sono) impactariam na definição e forma dos cachos. Após os testes, o resultado atingido mantém duas vezes menos frizz e 50% maior definição nos cachos do que o item de referência.
Garcia explica que os produtos levam uma média de um a dois anos para serem desenvolvidos e testados, mas que outros artigos da companhia já chegaram a ser trabalhados por quase duas décadas.
Outra área que busca testar como cada produto vai impactar a experiencia do usuário é a de experts. Nela, cabeleireiros aplicam cada produto capilar a ser lançado em voluntários, testando como diferentes finalizações podem impactar a experiência do consumidor. A cada ano, a L’Oréal recebe mais de 3 mil voluntários na área.
A ideia é testar como o produto age a partir de cada estilização: o mesmo finalizador pode gerar resultados diferentes se o consumidor usar mais ou menos água, se pentear os fios com escovas ou com os dedos, se secar naturalmente ou com secador. Outras técnicas utilizadas em cabelos cacheados para garantir a maior definição, como os twists, a fitagem ou dedoliss são testadas pelos especialistas. As práticas com os melhores resultados integram o “modo de uso” inserido nas embalagens dos lançamentos. Outras técnicas ainda são aproveitadas nas redes sociais de cada marca, dando dicas para o público sobre como atingir mais resultados.
A diretora conta que a área também precisou se adaptar para o mercado brasileiro, já que os tipos de cabelo e as formas de estilizar cada um também são muito diferentes da tradição francesa. “Na França, como faz frio, as pessoas secam muito mais os cabelos com secador e fontes de calor. No Brasil, pelo calor, é mais comum que as pessoas sequem o cabelo naturalmente”, explica.
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