País europeu emprega presos para melhorar precisão de IA

Com o avanço acelerado da Inteligência Artificial (IA), cresce a preocupação sobre muitos acabarem ficando para trás em um mundo cada vez mais digital. No entanto, e quanto àqueles que já estão marginalizados, como os presidiários? A Finlândia, reconhecida por seu sistema prisional humanitário, busca solucionar essa questão.

Introduzindo tarefas relacionadas à IA nas prisões, o país encontrou uma forma de preparar os detentos para um futuro onde a alfabetização digital será indispensável.

De acordo com a agência de notícias Euronews, nos últimos dois anos, algumas prisões finlandesas têm adotado uma abordagem inovadora: os detentos estão participando de atividades ligadas à IA, indo além dos trabalhos prisionais tradicionais. O objetivo é equipá-los com habilidades modernas, essenciais para reduzir a reincidência e facilitar sua reintegração à sociedade.

Essa iniciativa é fruto de uma parceria entre o Serviço Penitenciário Finlandês e a Metroc, uma empresa especializada em dados de mercado que usa a mão de obra prisional para anotação de dados. A anotação, essencial para o funcionamento da IA, envolve a classificação e rotulagem de informações para treinar algoritmos, especialmente em línguas pouco faladas como o finlandês.

Os prisioneiros que participam do trabalho de IA se reúnem em trio em uma sala equipada com três laptops. A jornada diária é normalmente de três horas com intervalo. Crédito: Serviço Penitenciário e de Liberdade Condicional da Finlândia

Sistema prisional nórdico é conhecido por ser humanitário

Jussi Virnala, fundador da Metroc, conta que a ideia surgiu de sua experiência como estagiário no Ministério da Justiça. “Eu já conhecia a organização e pensei em usar o trabalho prisional para ajudar a treinar modelos de IA na língua finlandesa, algo caro no mercado de trabalho”. 

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A empresa desenvolveu um programa de treinamento que ensina noções de construção civil e IA. Os detentos recebem laptops e tarefas simples, como identificar se um texto refere-se a uma licença de construção.

Um dos participantes do programa, que preferiu não se identificar e foi tratado pela reportagem como Robin, explicou que decidiu se envolver para “dedicar tempo a atividades significativas” e aprender mais sobre IA, além de ganhar algum dinheiro

Esse tipo de atividade reflete a filosofia do sistema prisional nórdico, conhecido como “princípio da normalidade”, que busca manter condições carcerárias o mais próximas possíveis da vida fora da prisão.

Pia Puolakka, gerente do projeto “Prisão Inteligente”, destacou que os detentos finlandeses têm acesso limitado a serviços digitais, mas que isso é feito de forma controlada para garantir a segurança dos dados. “Tudo o que fazemos digitalmente é protegido, seguimos rigorosas instruções de segurança”. 

A iniciativa está sendo testada em três prisões, onde cada detento tem um celular pessoal com um software especial para comunicação interna. Em outras unidades, há estações de trabalho compartilhadas. A meta é reduzir a exclusão digital dos presos, preparando-os para o mundo exterior, que é cada vez mais tecnológico.

Tuukka Lehtiniemi, pesquisador da Universidade de Helsinque, está acompanhando o projeto e destacou que o trabalho com IA nas prisões é uma forma de trazer a realidade digital para dentro das celas. “O trabalho de dados coloca o preso diante de um computador, introduzindo-o ao mundo digital”, explicou.

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Presídio de Suomenlinna, em Helsinque, na Finlândia. Crédito: Subodh Agnihotri – IstockPhoto

Finlândia inspira – mas também gera críticas – ao empregar presos para anotações de IA

Embora essencial,o trabalho de anotação de dados é repetitivo e considerado monótono por alguns presos. Robin, por exemplo, admitiu que acha a atividade “entediante”, preferindo tarefas físicas. No entanto, ele reconhece que aprendeu sobre IA e que o programa trouxe “ritmo à sua rotina diária”.

Além disso, o uso de mão de obra barata para tarefas de rotulagem de dados já gerou críticas em diversas partes do mundo, com empresas como Google e OpenAI sendo acusadas de pagar mal por esses serviços. O antropólogo Oğuz Alyanak, do projeto Fairwork, da Universidade de Oxford, destacou que o trabalho de rotulagem de IA é geralmente mal remunerado e intensamente monitorado. 

Embora ele não tenha comentado especificamente sobre o caso finlandês, Alyanak alertou que as empresas muitas vezes vendem esse tipo de trabalho como uma oportunidade de adquirir novas habilidades, quando, na prática, os trabalhadores buscam apenas garantir alguma forma de renda.

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As autoridades finlandesas garantem que os presos são justamente compensados. Inicialmente, os participantes do programa de IA recebiam três euros por dia, quantia que foi aumentada para 4,62 euros (de R$18,40 para R$28,40, aproximadamente). 

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Puolakka explicou que o pagamento é o mesmo que outros tipos de trabalho prisional e lembrou que os detentos não precisam arcar com despesas básicas durante o encarceramento. Além disso, o ambiente prisional regulamentado ajuda a evitar possíveis explorações por parte das empresas, segundo Lehtiniemi. “Não é o Velho Oeste onde as empresas de tecnologia podem simplesmente explorar os presos”.

Alyanak enfatizou a necessidade de focar na reabilitação dos presos, e não na criação de uma força de trabalho digital barata. Lehtiniemi concorda, destacando que a população carcerária da Finlândia é relativamente pequena – cerca de 50 presos para cada 100 mil habitantes – e que o país não poderia depender das prisões para atender à demanda de dados das empresas.

Por sua vez, a Metroc também admite que não pode depender totalmente do trabalho prisional para suas necessidades. O próprio fundador da empresa realiza parte das tarefas de anotação. “O objetivo na prisão é a reabilitação, não a criação de dados para as empresas”, frisou Lehtiniemi.

A experiência da Finlândia com IA nas prisões já despertou o interesse de outras nações, que buscam integrar tecnologias emergentes em seus sistemas penitenciários. Países nórdicos e europeus estão consultando as autoridades finlandesas sobre o programa, que pode se tornar um modelo para futuras iniciativas de reabilitação digital em prisões.

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